
Nós somos 17 alunos lá na minha sala. E 4 já fumam.
O que isso significa? 1/4 das pessoas com quem eu convivo todos os dias, que eu digo "Guten Morgen!", que eu vi ficar triste ou feliz por causa da nota de um teste, que eu descobri algumas manhas e manias...enfim: um quarto dos meus colegas fumam.
Nos meus primeiros dias aqui na Alemanha, eu já tinha notado que muitas pessoas aqui fumam. Assim como a França, na Suíça... Muitos jovens europeus geralmente estão com um cigarro na boca. Muitos adultos também. Por muitas vezes, eu vi o processos de criar um cigarro. Um papelzinho especial, umas ervas (drogas), uma maneira prática de misturar aquilo tudo e enrolar, uma lambida rápida do papel para fechá-lo - assim como cartas - e pronto. Mais um objeto que infecta o oxigênio e os pulmões alheios está feito.
Eu não entendo isso. Por que as pessoas fumam? Quem foi a (desculpa pela expressão) MALDITA pessoa que inventou os cigarros? Por que que eles não veêm o mal disso?
Meu avô paterno fumava, meu pai fuma, meu padrasto fumava, mas já parou, o padrasto da minha mãe fuma, muitos amigos e amigas adultos e adolescentes também.
E todos eles sabem muito bem o mal que isso faz.
Por que, então, continuar, gente?
Por que?
Deixa eu falar um pouco mais sobre esses meus quatro colegas de aula. Dois meninos e duas meninas. Uma delas é uma doida de pedra, que nunca vai pra aula e até hoje, seus maiores avanços na língua alemã, foi aprender a falar "sim" e "não" nas horas certas. Sabem do que mais? Ela me dá medo. A outra, (desculpe de novo pela expressão) é uma vadia que já teve seus cento e tantos namorados, engravidou e abortou. Um dos meninos é um iraquiano que vive falando no meio da aula, tem uma orelha maior que outra e nunca faz dever de casa. O quarto, um que eu descobri que fumava ontem, se chama Jimmy.
Ele é resmungão, irritante, chato, e faz de tudo pra chamar a atenção.
Mas precisava chegar a esse ponto?
Ah Jimmy, Jimmy...como você é idiota, viu?!
Du Scheisskopf.
A primeira coisa que ele disse quando me viu foi: "não conta nada pro professor, Laura, entendeu? Entendeu??" Com aquela maneira grosseira dele de sempre.
Ah, queridinho, você que se sufoque com a fumaça. O problema é todo seu. Foi a sua escolha...só sua.
Mas nada me impede de contar pra quem tenha o interesse de ouvir, de ler, não é?
Outros dois colegas nossos estavam andando com ele. Elas nos disseram que o Jimmy começou a fumar há duas semanas. Quando eu perguntei se eles também faziam isso,a resposta foi: "não, claro que não! Eu nunca coloquei um cigarro na boca em toda a minha vida!"
Se são assim tão instruídos, a ponto de saber que isso é ruim, por que não tentaram impêdi-lo? De raio de amigos são esses?
Desse jeito, vão acabar "contaminados" também.
As minhas amigas (estávamos todos na rua, esperando o ônibus chegar, a aula já tinha acabado) disseram pro Jimmy largar aquela...aquela coisa. Pobres meninas. Mesmo se ele apagasse um cigarro, haveriam outros no seu bolso. Muitos outros.
Enfim, nós fomos embora e o largamos lá. Com seus cigarros e seus amigos igualmente burros.
Como tínhamos tido uma aula livre, e ainda era cedo, resolvemos dar uma olhada nas lojas (agora está tudo em promoção!!).
Eu via todas aquelas montoeiras de roupas coloridas que as meninas experimentavam, trocavam, desistiam de comprar... Mas só enxergava o Jimmy. E ele tentando acender o isqueiro, na ventania que estava lá fora. Imaginei qual seria, afinal, aquela sensação, e sem que eu pudessem me controlar, me imaginei com um cigarro na boca. Vi a fumaça subindo pelos meus ombros. Feito incenso. Vi que eu de repente ficava popular entre os alunos da nona série, do segundo grau. E depois eu vi uma mulher jovem, mas com uma aparência muito mais envelhecida do que deveria, com cabelos escuros e ondulados presos numa touca, deitada numa cama de hospital, desmaiada. Havia uma pequena placa ao lado dela que dizia qual era o problema: câncer de pulmão.
E foi nessa hora que eu, digamos, "acordei" dos meus devaneios. Me senti mal. Sentei num dos bancos da loja e apoiei a cabeça numa das mãos. Quase tive vontade de chorar. Quase.
A Elisabeth (uma amiga) me viu e foi até mim, perguntando se estava tudo bem. Eu estava meio branca demais pra época do ano. Eu disse que estava tudo bem, e só tava pensando no que tinha acontecido há meia hora. Ela fez uma careta.
-Cara! Esquece essa história! Você tá a fim do Jimmy ou o quê??
Quase caí na gargalhada. Não. Sem dúvida nenhuma eu não estava a fim do Jimmy. Eu estava pensando apenas como a nossa geração pode ser tão fraca, tão indefesa. Eu só imaginei que, talvez, todos esses iniciantes a fumantes nesse mundo só fossem crianças grandes que tinham se soltado agora da saia da mãe e eram apenas inseguros para com o mundo lá fora. Que apenas queriam ser aceitos por aquilo que julgavam bom o bastante pra eles. E que tinham esquecido que ainda são jovens, e não entendem nada de burocracia ou Direito, pra julgar algo. Talvez todas essas pessoas só precisassem de um pouco de carinho. E um exemplo melhor.
E como diria uma música dos Titãs, que agora eu esqueci o nome:
"A melhor forma de curar o vício...é no início".
Pois é gente. Pois é.
Mas é claro que eu não disse nada disso pra ela. Apenas mostrei a língua (o nosso código-secreto, significando que o tudo é uma grande porcaria) e falei que eu achei estranho um colega nosso que ao menos
parecia ter um cérebro debaixo daquele cabelo espetado ridículo ter sido tão fraco e idiota. O Jimmy me pareceu mais velho com a fumaça saindo pelas suas narinas. Mais velho não. Apenas velho. Eu pensei ter visto rugas naquele rosto.
A Elisabeth balançou a cabeça. "Sim, sim, entendi".
Mas ela não tinha entendido nada.
Íamos conversar mais, só que nessa hora a Phoebe (outra amiga) chegou trazendo uma blusa que eu adorava e estava procurando há um tempão. Uma azul-céu, com manchas brancas. Como se fossem nuvens.
E o melhor de tudo: foi apenas 3 pratas! Eu amo as promoções na Alemanha!!
As outras meninas gostaram tanto, que cada uma comprou uma blusa pra si (elas são estranhas, eu sei). Ficou combinado: na sexta-feira vamos todas vestidas de céu e nuvens pra aula.
Vai ser um bom dia.
Só mais uma última notificação:
Eu nunca vou fumar.
Nunca.